'' Clássico contra o autoritarismo, O Arquiteto e o Imperador da Assíria segue em cartaz no CCSP''
Clássico contra o autoritarismo, O Arquiteto e o Imperador da Assíria ganha montagem com traços distópicos
Com assinatura do grupo Garagem 21 e atuação de Eric Lenate e Helio Cicero, peça espanhola de Fernando Arrabal discute os caminhos do totalitarismo e o confronto entre civilização e barbárie
Figura 1. Foto – Bob Sousa
Escrita em 1967 pelo dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, O Arquiteto e o Imperador da Assíria é uma das peças fundamentais da reflexão sobre o pós-guerra e o totalitarismo que culminou no confronto. Uma montagem inédita do espetáculo, criada pelo grupo Garagem 21, segue em cartaz no Centro Cultural São Paulo. A direção é de Cesar Ribeiro. No elenco, os atores Eric Lenate (Arquiteto) e Helio Cicero (Imperador). Este projeto tem apoio do Prêmio Zé Renato de apoio à produção e desenvolvimento da atividade teatral para a cidade de São Paulo – 10ª edição – 2019.
A peça estava prevista para estrear em março de 2020, quando a pandemia se instalou no país. Com os teatros fechados, só agora - um ano e meio depois - será possível haver palco e plateia ocupados, com lotação reduzida e protocolos de segurança sanitária obrigatórios disponibilizados ao público.
Sobre a montagem
Situada em uma ilha deserta, a peça se inicia com um desastre aéreo que leva seu único sobrevivente a entrar em contato com um nativo que jamais teve contato com outro ser humano. A partir dessa interação, o sobrevivente busca impor ao outro suas ideias de cultura e civilização.
“Ao contrapor um homem civilizado com um ser sem origem reconhecida, sem ascendência e que nunca teve contato com outro humano, a obra retrata a violência inserida no processo de formação da sociedade. Utilizando a cultura para seduzir o Arquiteto sobre as supostas maravilhas da civilização, além da construção da linguagem, há o processo de formação do Estado e do conhecimento de toda a estrutura social, em que entram conceitos como política, religião, família, relações afetivas, artes, filosofia e a própria noção de humano, termos desconhecidos pelo nativo e sempre apresentados pelo Imperador de modo distorcido, trazendo conexões com as ideias de fake news e pós-verdade”, analisa o diretor.
A escolha de montar O Arquiteto e o Imperador da Assíria representa uma continuidade da proposta de Cesar Ribeiro em dirigir peças que abordem sistemas diversos de violência. “De acordo com o conceito de Triângulo da Violência, proposto pelo sociólogo norueguês Johan Galtung, pode-se dividi-la em três tipos: a violência direta, que é a forma mais reconhecível na sociedade, em que há um agente que comete a violência, um que a sofre e uma ação violenta, como o assassinato; a violência estrutural, em que a violência se imiscui na estrutura da sociedade, como a desigualdade social, por meio de questões como o desemprego; e a violência cultural, que retrata os modos de discurso e visão de mundo que buscam validar a violência direta e a estrutural, como o racismo, o machismo e a homofobia. Na peça, há as três tipificações, mas o alicerce da criação do poder do Imperador está na violência cultural, ao utilizar o conhecimento do mundo dito civilizado para seduzir o Arquiteto e fazer com que o jogo de dominação seja aceito por ele”, diz Cesar.
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O texto original de Arrabal foi preservado na adaptação, mas o grupo inseriu trechos de obras de outros autores, como do dramaturgo irlandês Samuel Beckett e do carioca Nelson Rodrigues. Segundo o diretor, trata-se de inserções pontuais que complementam frases de Arrabal e reforçam as semelhanças que regimes totalitários têm entre si. “Também foi possível inserir texto de editorial do dia seguinte ao golpe militar de 1964, em uma busca de intensificar a crítica da montagem ao autoritarismo atual”, conta.
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