''Espetáculo Desolador expõem drama de Antonin Artaud encenado em monólogo em São Paulo'
Texto de Gabriela Mellão retrata Antonin Artaud em processo de decomposição. No solo protagonizado por Clovys Tôrres, a pele de Artaud se desfaz juntamente com sua crença na humanidade e no teatro de seu tempo.
Clovys Torres em cena no Desolador-Foto:Renata Porto
O espetáculo Desolador estreou em São Paulo no dia 17 de Fevereiro na SP Escola de Teatro.Monólogo encenado pelo ator e diretor Clovys Tôrres,traduz de forma poética todo sofrimento carnal e espiritual de Antonin Artaud.
Desolador foi escrito há dez anos por Gabriela Mellão, a pedido de Clovys Tôrres. De certa forma, está sendo gestado desde então pela dupla.Diante de muitas resistência de ambos,conseguiram finalmente trazer esse espetáculo dramático e cheio de veracidade para um dos teatros mais conceituados da região central da cidade.
Desolador é um retrato poético da dor de Antonin Artaud. No solo, o ator, autor e teórico francês vive processo de decomposição, arruinado pela consciência das faltas do homem de seu tempo, transitando entre lucidez e delírio.O ator que dá vida ao personagem entra em cena como um homem em processo de decomposição,com olhar aterrorizador beirando a compaixão,a fragilidade humana em sua maior plenitude.
Diante de tanto sofrimento,faltas de expectativas e a intensidade da dor humana,o personagem ainda encontra esperança,perseverança de que essa realidade venha a mudar.Nas sessões de eletrochoque o mesmo com muita maestria demonstra uma lucidez e uma calmaria invejável diante da beira da loucura.Espetáculo forte,intenso e impactante.O ator em cena se mantém fiel ao sofrimento delirante de um dos artistas mais multifacetados e transitórios daquela geração.
O espetáculo foi inspirado em cartas e textos pessoais do autor, escritos como Cadernos de Rodez, que datam de seu período de internação, no manicômio de Rodez, de 1937 a 1946, época em que ele esteve mais fragilizado – mesmo assim, consciente de sua doença e do valor de suas crenças artísticas e humanas.
O Teatro é o estado, o local, o ponto, onde podemos nos apropriar da anatomia do homem, e através dela curar e reger a vida. (Antonin Artaud)
Debate após espetáculo-Foto:Renata Porto
Após a sessão desta segunda-feira ainda aconteceu um bate-papo entre o ator Clovys Torres,a diretora Gabriela Mellão e o filósofo Emilio Terron em um bate-papo descontraído entre os convidados e a platéia que aparentava uma certa inquietude,uma emoção aflorada de acordo com o que acabara de assistir.
O filósofo Emilio Terron iniciou o bate-papo e trouxe uma abordagem bastante especial sobre aspectos que norteiam a tristeza,loucura e a infelicidade.Diante de tantos questionamentos, ainda aprofundou o assunto falando sobre a vida de Artaude,sobre a atuação do ator e principalmente a temática do espetáculo ressaltando a pragmática do viver,da vida fabular,a adesão e a ilusória da dor existencial,dos dramas psicológicos ,comparando a mensagem do espetáculo as limitações humanas,aos afetos extremos.Provocou a platéia a uma primordial reflexão sobre a arte,sociedade,fragilidade,lucidez e delírio humano,a coragem de enxergar a realidade.
''-Aonde tem obra não tem loucura.A obra é ausência de loucura.E não é a psicologia que diz a verdade sobre a loucura,é a loucura que diz a verdade sobre a psicologia.''finalizou Emilio, iniciando um debate interessante sobre o tema. O evento contou com interessados no assunto, artistas,psicológicos ,público em geral e alunos da Escola.
ator Clovys Torres e Emilio Terron-Foto:Renata Porto
Debates: SEGUNDAS CONVERSAS – Artaud em Pauta
Durante a temporada de DesolaDor acontecerá o Segundas Conversas – Artaud em Pauta. Trata-se de bate papo informal sobre o espetáculo e o universo de Artaud, logo após o espetáculo, as segundas feiras, com psicólogos e filósofos. A ideia é enriquecer o debate em torno do espetáculo e proporcionar um momento de conversa mais filosófica e psicanalítica a partir dos temas abordados em cena.
Dia 5 de março
Após o espetáculo: conversa com Emilio Terron – Filósofo
“Poesia, saúde e clínica”
Dia 12 de março
Após o espetáculo: conversa com Andrea Vistue – Psicóloga
“A Loucura em Artaud e a poesia que nos salva”
Dia 19 de março
Após o espetáculo: conversa com Maria Elisa Pessoa Labaki – Psicanalista
“Artaud- Poesia e Finitude”
Informações:
DesolaDor
Teatro SP Escola (50 lugares)
Praça Roosevelt, 210
Informações: (11) 3775.8600
Sexta às 21h30 | Sábado e segunda às 21h | Domingo às 19h
Ingressos: R$ 20 a R$ 40
Classificação: 14 anos
Duração: 50 minutos
Temporada: até 19 de março
Gabriela Mellão-Foto:Renata Porto
Sobre a diretora Gabriela Mellão
Gabriela Mellão é dramaturga e jornalista.
Autora, diretora e jornalista teatral. Pós-graduada em Jornalismo Cultural na PUC-SP, estudou Cultura e Civilização Francesa na Sorbonne, em Paris, e Dramaturgia e História do Teatro Moderno em Harvard, Boston. Escreve para Folha de S.Paulo e revista Vogue.
Compõe o júri do prêmio APCA de teatro.
É autora e diretora de Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade (2014), peça convidada a integrar o Festival de Avignon de 2015. Tem cinco peças encenadas, Ilhada em mim – Sylvia Plath (indicada ao prêmio de melhor direção pela APCA de 2014); Espasmo (2013); Correnteza (2012); Parasita (2009), A história dela (2008), além de um livro publicado com suas obras teatrais: Gabriela Mellão – Coleção primeiras obras. Lecionou Laboratório de Crítica Teatral para o curso de Jornalismo Cultural na pós-graduação da Faap, entre 2009 e 2012. Foi crítica da revista Bravo! entre 2009 e 2013, ano de fechamento da mesma.
Vida e Obra de Artaud
Antonin Artaud escreveu muito ao longo de toda sua vida. Aliás, foi seu desejo de fazer carreira literária que o levou a Paris, em 1920, após sucessivas passagens por diversos sanatórios e estações de repouso. Em Paris iniciou sua carreira como ator de teatro e cinema, tornando-se o teatro o centro de seu interesse. Seus escritos são sua principal produção. São manifestos, conferências, poesias, cartas, projetos de encenação, críticas, reflexões, cadernos, relatos, etc.
Os textos de Artaud não foram concebidos ou escritos de forma a apresentar ordenadamente suas idéias e conceitos. Seus escritos são a produção de uma vida e, embora Artaud tivesse interesse na publicação em jornais, revistas e mesmos livros, em poucas ocasiões pode organizá-los como uma unidade para esse fim (fato que se deu, por exemplo, com O teatro e seu duplo, sua obra mais conhecida, na qual reuniu diversos textos, alguns já publicados e outros ainda inéditos, estabelecendo uma determinada seqüência). Vários textos a que se tem acesso sequer foram escritos para o público em geral, como cartas, ou mesmo os Cadernos de Rodez, que escreveu em meio a delírios enquanto interno na cidade de Rodez.
Artaud escrevia a partir de si. Em 1923, tentou publicar alguns de seus poemas na Nouvelle Revue Française, o órgão mais influente na elite intelectual francesa, mas foram rejeitados pelo diretor Jacques Rivière, com quem iniciou uma correspondência, posteriormente publicada. Rivière e ele trocaram diversas cartas onde, entre outras coisas, discutiram sobre a luta que era para Artaud expressar-se:
Sofro de uma terrível doença do espírito. Meu pensamento foge-me de todas as maneiras possíveis, do simples fato do pensamento em si mesmo ao fato externo de sua materialização em palavras. As palavras, a conformação das frases, o fio interior dos pensamentos, as simples reações da mente – estou sempre em busca de meu ser intelectual.
Artaud encontra na própria fragilidade um assunto para escrever: Seu caso pessoal, sua incapacidade como paradigma do problema da própria arte. A rejeição de Rivière provocara-o ao exame de seu próprio problema e à compreensão de que tal contrariedade era de importância e significações gerais. A correspondência com Rivière revelou Artaud a si mesmo: pela primeira vez deparava com um tema próprio.
Algumas semanas após a publicação, Artaud integrou o Movimento Surrealista, que pode ser considerado como conseqüência direta de sua rejeição da noção convencional de literatura.
Artaud escreve sobre teatro, cinema, poesia, suicídio, psiquiatria, cultura e sociedade, política e uma diversidade de temas. Parte sempre de suas experiências, de suas dores, de sua falta de clareza e lucidez para inquietar e questionar inúmeras estruturas e funcionamentos da sociedade. O teatro é um destes elementos, de grande destaque, a partir do qual ele desenvolve uma grande reflexão, elaborando não uma técnica ou metodologia, mas princípios e críticas que puseram em xeque o teatro de sua época.
Consulta: Morente Forte Comunicação
http://www.spescoladeteatro.org.br/cartaz/desolador